Este texto focaliza o desastre radioativo de Goiânia, Brasil, a partir das narrativas enunciadas, em 2004, por jovens que vivenciaram a catástrofe, em 1987, enquanto crianças. A pesquisa foi motivada pela constatação, através do trabalho de campo realizado ao longo das últimas décadas, que estes jovens ocultavam no cenário público o pertencimento do desastre. Desta forma, em contexto em que as lembranças configuram a memória traumática e instituem uma persona césio, problematizo o silêncio como uma forma de agencia. Argumento também que a compreensão dos impactos sociais e emocionais de um evento crítico demanda uma reflexão sobre as situações de vulnerabilidade social dos grupos envolvidos entre as quais aquelas engendradas pela geração.
Palabras claves:Trauma e Agência; Narrativas e Radiação; Memórias Traumáticas; Sofrimento Social; Política da MemóriaThe text focuses on the Goiânia radiological disaster from the point of view of young people's narratives, expressed in 2004, about their experiences as children back in 1987. The research draws on observations made in long term fieldwork with these young people as they hid their identities as disaster victims in the public sphere. Hence, in contexts in which the remembrances configure traumatic memory from this disaster and engender the cesium persona, I argue that their silence is a form of agency. I sustain as well that the understanding of the social and emotional impacts of a critical event implies taking into consideration the situation of social vulnerabilities of the people affected, including those which are produced over generations.Keywords: Agency and Trauma; Radiation Narratives; Traumatic Memories; Social Suffering; Politics of Memory Introdução: Os caminhos que me levaram a ouvir os jovens do desastre de Goiânia O desastre radioativo com o césio-137 ocorrido na cidade de Goiânia, Brasil (Figuras 1 e 2), situado oficialmente em 1987, tem sido objeto de minhas reflexões, preocupações e emoções nos últimos vinte e nove anos. Como moradora dessa cidade em fins dos anos oitenta do século passado fui, desde o início, impactada pelas informações veiculadas pela mídia sobre a radiação que se espalhou por setores da capital do estado de Goiás em decorrência da liberação de 17 gramas de césio-137 provenientes da abertura de um aparelho radioterápico (Ciência Hoje 1988: 14). Este equipamento, abandonado pelos então proprietários do Instituto Goiano de Radioterapia (IGR), foi coletado, desmantelado por catadores de papel que posteriormente comercializaram suas partes e distribuíram o 'pó de césio' entre parentes e amigos. Quatro pessoas morreram nos dias subsequentes ao desmantelamento deste aparelho usado para o tratamento de câncer e duzentas e quarenta e nove foram consideradas contaminadas segundo relatórios publicados pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA 1988). Nomeadas de radioacidentados pelo sistema biomédico-nuclear, e de vítimas diretas pela Associação das Vítimas do Césio-137 (Silva 1...