IntroduçãoWilliam Wallace (1999, p.503-506, 521) identifica um "paradoxo" central no sistema político europeu ao longo da década de 1990: a governança tornou-se uma atividade multinível, intricadamente institucionalizada e marcada por processos que se sobrepõem e se inter-relacionam entre diferentes Estados e níveis acima e abaixo do antigo lócus da soberania estatal; porém, a representação e a lealdadeelementos fundamentais na identidade do ator soberano -permanecem enraizadas nas instituições tradicionais do Estado. Muito da substância da soberania dos Estados membros da União Européia foi esvaído, mas o sentido de solidariedade, o foco da representação política e a prestação de contas em nível nacional ainda permanecem. Embora a soberania não tenha sido transferida para uma federação européia que lembre um Estado, ela vem sendo congregada entre governos, negociada em comitês multilaterais e, em algumas situações, comprometida pela interferência mútua nos assuntos domésticos.O objetivo do artigo é examinar por que, ao contrário do que afirma Wallace, não existe paradoxo entre o desenvolvimento de estruturas de governança multinível 1 e a permanência do Estado soberano como fonte de representação e de lealdade. Concebendo que a cessão de independência constitucional, a modificação da igualdade soberana e o comprometimento da autonomia econômica não se processaram de forma homogênea entre os Estados membros do processo de integração europeu, busco explicar as diferenças entre tais processos de partilha * Professor da Graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro -IRI-PUC-Rio (dsvj1408@terra.com.br). 1 O conceito de "governança multinível" remete à idéia de que a integração européia é um processo de criação política em que a autoridade e a influência na formulação da decisão são partilhadas por níveis múltiplos de governo -subnacional, nacional e supranacional. Tal conceito não se opõe à visão de que as arenas e os poderes executivos estatais são importantes, mas sinaliza que o Estado não mais monopoliza a formulação de políticas ou a agregação de interesses domésticos, de forma a não ser mais a única interface entre as arenas subnacional e supranacional, Nesse sentido, as arenas políticas são interconectadas em vez de restritas ao interior dos Estados, e os atores subnacionais operam tanto na arena nacional como na supranacional, podendo criar associações transnacionais no processo (Marks et al., 1996).