Federal do Rio Grande do Sul O que nos conta e como se conta uma narrativa de vida nas ciências? E quando quem conta é uma mulher? Marie Curie, física polonesa, criadora do campo da radioatividade e ganhadora de dois prêmios Nobel foi alçada à posição de mito, tendo sua trajetória sido narrada como "exemplo" para as mulheres, nas ciências e fora delas. Curie escreveu, sob encomenda, uma narrativa intitulada Notas autobiográficas, que se encontra como apêndice em um texto também biográfico, escrito pela própria Marie, por ocasião da morte de seu marido. Entendendo que as práticas discursivas das autonarrativas não são autônomas, mas estão incluídas em procedimentos normativos (jurídico, médico, educativo, de gênero) e questionando-se sobre a relação entre as narrativas e as redes de poder articuladas em sua construção, este artigo pretende, a partir das notas autobiográficas de uma mulher considerada um mito, problematizar: (i) as narrativas autobiográficas como invenção de si; (ii) a história de vida de Marie Curie como uma mulher de ciência e a invenção do mito de mãe, esposa e cientista; e (iii) o gênero como elemento central na construção de uma ficção de mulher nas ciências.