O artigo analisa a jurisprudência interamericana em matéria de direito à saúde, com destaque aos casos julgados pela Comissão e Corte Interamericanas. Discorre-se acerca do sistema de proteção multinível dos direitos humanos, enfatizando sua importância para o estabelecimento de um arcabouço normativo plural quanto à sua origem, porém uníssono em relação aos objetivos perseguidos. Em seguida, aborda-se o impacto das decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro, em razão de sua submissão aos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Finalmente, empreende-se estudo da jurisprudência da Corte e Comissão Interamericana de Direitos Humanos, permitindo-se sustentar a gradativa pavimentação de um constitucionalismo regional – ius commune social –, bem como a emergência de um Estado de Direito Internacional, pautado pelo primado da legalidade, por uma expansiva institucionalidade baseada em instrumentos e órgãos internacionais visando à dignidade humana, com ênfase na proteção dos direitos dos mais vulneráveis.
O modelo de escolas charter, originado nos Estados Unidos da América e caracterizado pelas escolas públicas geridas por instituições privadas com maior autonomia de gestão e contratação, tem sido aos poucos importado pelo Brasil sob o argumento de qualidade e eficiência educacional. Entretanto, não obstante a sua concretização possa ser promovida pelo Estado ou pela sociedade civil, tem-se que o atual cenário privatístico culmina por interferir indevidamente em discussões exclusivamente públicas, tornando a educação pública obrigatória objeto de desejo, em uma manifestação do “bem” imputado à sociedade eficiente e bem intencionada, em detrimento do “mal” representado pelo Estado, supostamente avesso à eficiência. Nesse contexto é que reside a problemática a ser enfrentada no presente artigo, qual seja a implementação, no Brasil, das charter schools norte-americanas – e que ganham espaço no Brasil, por meio da legislação atinente às parcerias. Entretanto, a tomada de espaços públicos - o que é o caso da educação escolar pública oferecida pelas entidades federativas - por grupos organizados da sociedade civil pode representar interferência indevida na concretização de políticas de Estado consagradas pela Constituição da República, de forma a sujeitar o direito fundamental à educação aos interesses de grupos econômicos em detrimento do desenvolvimento nacional. Deve, assim, o sofisma da eficiência da esfera privada ser colocado em evidência para demonstrar a necessidade de aperfeiçoamento da relação entre Estado e sociedade civil enquanto entidades que devem apontar para o mesmo norte, o interesse público.
No Brasil, a saúde é direito de todos e dever do Estado (artigo 196 da Constituição Federal), tendo como estrutura pública de efetivação o Sistema Único de Saúde (SUS). Complexo, este sistema envolve a participação de vários órgãos da Administração Pública direta, entes da Administração Indireta, pessoas de direito privado e Conselhos e Conferências de Saúde, os quais possibilitam a participação da comunidade na formulação e gestão das políticas sanitárias. A atuação de todos esses atores se dá de maneira harmonizada, a partir das mesmas diretrizes e com objetivos relacionados. Nesse contexto de universalização do direito fundamental à saúde, as tecnologias em saúde ocupam lugar de destaque no sistema implementado, estando presentes desde a prevenção de doenças até o tratamento e recuperação da saúde. Bem de ver que a expressão “tecnologias em saúde” pode, de acordo com a conjuntura apresentada, ser compreendida sob aspectos distintos, representando: (i) a incorporação de novos medicamentos, tratamentos ou sistemas produzidos por laboratórios que estejam em estado avançado na técnica médica ou institutos de pesquisa em saúde; e (ii) a inserção de ferramentas tecnológicas destinadas a auxiliar no processo de inclusão de fármacos mais eficazes, diminuindo o lapso temporal entre o seu surgimento e a distribuição – gratuita – aos usuários do sistema público de saúde. Dentro dessa perspectiva, faz-se imprescindível a avaliação de tecnologias em saúde (ATS), como forma de pesquisa que avalia as consequências do uso em curto e longo prazo de métodos de profilaxia. Trata-se de processo multidisciplinar, que resume informações sobre questões clínicas, econômicas, éticas e organizacionais relacionadas ao uso da tecnologia em saúde. No Brasil, somente em 2011, com a Lei nº 12.401, a ATS foi institucionalizada como critério indispensável para a tomada de decisão, sendo instituída a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), órgão de assessoramento do Ministério da Saúde, responsável por assessorá-lo na incorporação, alteração ou exclusão de novas tecnologias em saúde, bem como na constituição ou alteração de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. Em que pese o curto lapso temporal decorrido a partir da criação da CONITEC, a relevância de seu trabalho está demonstrada pela constante evolução da medicina baseada em evidências e a necessidade de atualizar os fármacos e procedimentos a serem oferecidos à população. Contudo, é certo que, para manter-se efetiva em seu mister e, com isso, preservar a efetividade do SUS, torna-se imperiosa a criação de ferramentas tecnológicas que fomentem uma relação dialógica entre os Poderes instituídos, diminuindo ingerências entre os branches republicanos. Exemplo salutar do emprego de tal diálogo institucional ocorre, por exemplo, a partir de decisões judiciais vinculantes, proferidas em ações relacionadas a medicamentos (RE n. 566.471 e REsp 1.657.156), em que se constou orientação no sentido de que sejam repassadas informações sobre os medicamentos mais demandados em juízo, para que sejam objetos de estudos prioritários quanto à viabilidade de sua incorporação pela CONITEC no âmbito do SUS. A metodologia a ser empregada na pesquisa será do tipo exploratória.
No ano de 2003, a ONU, através da Subcomissão para os Direitos Humanos, editou uma proposta de Normas sobre Responsabilidades das Empresas Transnacionais e Outros Empreendimentos Comerciais em Relação aos Direitos Humanos. Essas normas definiam deveres para corporações em âmbito internacional, mas pressões de todo gênero impossibilitaram sua vigência. A justificativa foi a pretensa falta de embasamento jurídico para vincular empresas em nível internacional. Em lugar dessas normas, foram propostas diretrizes com natureza de soft law, após estudos coordenados por Comissão presidida pelo especialista Professor Jonh Ruggie, da Universidade da Harvard. A Comissão foi responsável por identificar qual seria, segundo o Direito Internacional, o grau de vinculação dos agentes privados em relação aos direitos humanos e quais os deveres das empresas e Estados para sua efetivação. Após os estudos, foram editados em 2011 os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos. Os princípios indicam que ao Estado cumpre: prevenir, investigar, punir e reparar violações a direitos humanos. Às empresas de qualquer tipo, cumpre o dever de abster-se de violar direitos humanos. Isto é, o Estado tem deveres positivos e negativos e as empresas deveres negativos. Enquanto os princípios obrigam os Estados, vinculados a tratados internacionais, são orientações para as empresas, que não podem ser responsabilizadas internacionalmente. Visto isso, cumpre questionar em que medida as empresas estatais se vinculam aos direitos humanos. De acordo com os Princípios Orientadores elas, porque são empresas, guardariam apenas deveres negativos de abstenção. Porém, o que se defende neste trabalho é que em relação às estatais brasileiras, sejam elas sociedades de economia mista ou empresas públicas, não existe somente dever de abstenção de violar direitos humanos. Em relação às empresas integrantes da Administração Pública brasileira, existem deveres positivos de prevenir, investigar violações, punir os responsáveis e reparar segundo seu grau de responsabilidade violações a direitos humanos. Mais que isso, para as estatais brasileiras existe o dever de promoção ao máximo de toda categoria de direitos humanos. Os Princípios Guias de 2011 sofrem merecidas críticas por isentarem – a pretexto da falta de base normativa internacional – as empresas de implementarem em todos os níveis os direitos humanos necessários à construção de uma sociedade mais justa. Porém, a par desse debate, ao menos quanto às estatais, há sim deveres positivos para efetivação dos direitos fundamentais e humanos. Afinal, em relação a tais pessoas jurídicas, tem-se que são criadas para, em última instância, atingir o interesse público (por motivo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme art. 173 da Constituição). Não se pode conceber a concretização do interesse público desvinculada da promoção dos direitos humanos. Sendo assim, diferentemente do que se poderia entender a partir de uma leitura apressada dos Princípios Guias da ONU de 2011, em relação às empresas estatais brasileiras pertencentes a qualquer ente, subsistem também obrigações positivas de cumprimento dos direitos humanos, tal como em relação aos Estados-nações.
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