A autoetnogra a como método criativo: experimentações com a esclerose múltipla § Autoethnography as a creative method: experimentations with multiple sclerosis
Este artigo trata da experiência de realização de uma disciplina de graduação sobre métodos e técnicas de pesquisa em antropologia social. A disciplina, comum a diversos cursos de CiênciasPalavras-chave: antropologia, métodos de pesquisa, criatividade, aprendizado horizontal intRodução Em geral, artigos científicos antropológicos apresentam e discutem resultados de alguma experimentação empírica. Contudo, poucos são aqueles que apresentam e discutem resultados de uma experimentação de natureza didática (Sanabria 2005: 15). Grande parte de nosso tempo enquanto acadêmicas é passado em sala de aula, mas pouco somos estimuladas a refletir sobre o conhecimento que produzimos em companhia das estudantes 2 . Por enquanto, há poucos espaços específicos nos periódicos da área para esse tipo de relato, embora alguns textos tenham sido 1Contato: fabienegama@gmail.com e fleischer.soraya@gmail.com. 2Optamos pelo plural feminino tanto porque éramos duas professoras quanto porque a turma contava com a maioria de estudantes do sexo feminino. Aproveitamos para agradecer a essa turma pela disponibilidade em aceitar nossa proposta e permitir que utilizássemos aqui trechos de seus depoimentos e materiais produzidos. Todas as fotos do artigo, com exceção das imagens de Henrique Rocha, são de autoria de Fabiene Gama.
Em seu texto, "A transformação do silêncio em linguagem em ação" (2020), Audre Lorde inicia dizendo: Passei a acreditar, com uma convicção cada vez maior, que o que me é mais importante deve ser dito, verbalizado e compartilhado, mesmo que eu corra o risco de ser magoada ou incompreendida. A fala me recompensa, para além de quaisquer outras consequências. Estou aqui de pé, uma poeta lésbica negra, e o significado de tudo isso se reflete no fato de que ainda estou viva, e poderia não estar. Há menos de dois meses ouvi de dois médicos, uma mulher e um homem, que eu deveria fazer uma cirurgia nos seios, e havia 60% a 80% de chance de o tumor ser maligno. Entre receber a notícia e a cirurgia em si, vivi três semanas na agonia de reorganizar involuntariamente a minha vida inteira. A cirurgia foi um sucesso, e o tumor era benigno.No entanto, durante essas três semanas, fui obrigada a olhar para mim e a refletir sobre minha vida com uma lucidez, penosa e urgente, que me deixou ainda abalada, mas muito forte. Muitas mulheres encaram essa mesma situação, inclusive algumas de vocês que hoje estão aqui. Parte da minha experiência durante esse período me ajudou a compreender melhor o que sinto em relação à transformação do silêncio em linguagem e em ação. (Lorde, 2020, p. 51-52).
Este ensaio traz a experiência de diagnóstico de uma doença crônica, a esclerose múltipla, a partir de reflexões teóricas de um campo ainda marginalizado na Antropologia, a auto-etnografia. Após o diagnóstico da doença, em 2014, passei a buscar informações a seu respeito em consultas médicas, sites da internet, blogs de ativistas, associações de pacientes etc. Mas experimentei grandes dificuldades tanto em obter informações quanto em ter meus desejos de tratamentos e cuidados atendidos por equipes médicas.
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