As muitas verdades sobre a infância de nosso tempo, das mais catedráticas às mais inovadoras, encontram-se compiladas em livros e artigos dentro e fora de nossas bibliotecas. Grosso modo, elas constroem dois tipos de niilismo: um niilismo de tipo universalista, que suga a criança para fora da imanência da vida e da histórica e a torna refém de estereótipos universais. Outro niilismo de tipo relativista, que esquece a criança e apenas acusa os estudos da infância como mera invenção. Evitar esses extremos requer uma espécie de arte acrobática de se equilibrar na possibilidade de um entre. Essa via busca retomar a imanência histórica da criança ("ida aos porões", "suspensão das certezas", "pesquisar com...", "verdade-acontecimento", "objetivação e subjetivação", "atitude crítica"). Trata-se de uma pesquisa em busca da (re)potencialização da ideia de invenção (da infância) cuja atitude crítica implique não a pergunta pelo governo certo ou pela ausência de governo da infância, mas como não a governar assim, por essas pessoas, em nome desses princípios, em vista de tais objetivos e por meio de tais procedimentos.
Este artigo, explorando a tensão entre a constituição de uma noção de infância governável e aquela força indômita da criança, que nos escapa, propõe reflexões sobre o conceito de criança em devir: a criança-simulacro. Para tanto, por um lado, a partir das noções de biopolítica, neoliberalismo e dispositivo trabalhadas por Michel Foucault, busca-se delinear como se forma um conceito de infância governável a partir do dispositivo pedagógico moderno, sobretudo em sua forma neoliberal. Por outro, explora-se a ideia de simulacro, devir e sua relação com as noções de criança, em Friedrich Nietzsche e Gilles Deleuze, escapando-se aos conceitos transcendentais e transcendentalizantes, para, por fim, propor reflexões acerca do conceito de criança como simulacro, sendo a própria noção algo em constante devir e imanência.
Neste artigo, insiste-se na palavra “infância”, não para definir um (novo) verdadeiro e derradeiro sentido, mas para pensar como resistir a uma infância que modela e emoldura a criança; como redobrar a força criadora do “devir-criança” sobre a própria noção de infância. Para tanto, lança-se mão da escrita e da costura como estratégias de criação de uma “máquina de guerra”, o “Manoelês”, como forma de “desterritorialização” do conceito de infância. Com o uso de costuras, linhas e fios, em um devir-artesã da pesquisadora na produção de conhecimento, faz-se a palavra “infância” perambular, bordando-a sobre excertos da poesia de Manoel de Barros, e criando uma “zona autônoma temporária” de experiência e sentido. A costura e a escrita abrem assim espaço para pensar-se uma ética/estética “crianceira” – não uma ética/estética da ou para a criança, mas uma ética que faz da criança um modo de “desformar” o educador.
Este artigo parte de uma perspectiva sobre infância e criança pautada em Deleuze e Guattari e utiliza o conceito de “máquina de guerra” como uma forma de pensar a criação de novos espaços-tempos para suscitar acontecimentos e desterritorializar a infância contemporânea. Busca-se aqui, então, traçar uma linha “entre” os pontos fixos, numa tentativa de irromper a realidade e abrir espaço nas afirmações, prescrições e avaliações que “desabam” sobre as crianças, não apenas incluídas no ideal hegemônico de infância, mas governadas por dispositivos de subjetivação de um “Homo oeconomicus”. Para inventar outros mundos educativos possíveis, num contexto contemporâneo e neoliberal, requer-se a possibilidade de se pensar uma infância “entre”, de modo a tirar a criança da dicotomia incluída/excluída da infância.
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