Apresentação
Este artigo traz traços de uma importante discussão dentro do contexto da filosofia de Nicolau de Cusa, a saber, a discussão sobre o conceito de transsumptio e o uso de enigmas como uma saída para um discurso acerca do princípio primeiro, isto é, Deus. O objetivo é mostrar como esta perspectiva enigmática ou simbólica aparece na filosofia cusana, especialmente nas três obras que se propõe a discutir este trabalho: De docta ignorantia (1440), De visione dei (1453) e De non aliud (1462).[This article brings out traces of an important discussion in the context of the philosophy of Nicholas of Cusa, i.e. the discussion about the concept of transsumptio and the use of puzzles as a way out for a discourse on the first principle, that is, God. The objective is to show how this enigmatic or symbolic perspective appears in the Cusan philosophy especially in the three works that this work proposes to discuss: De docta ignorantia (1440), De visione dei (1453) and De non aliud (1462).]
Dossiê Filosofia e Mística-Tradução "Quem és tu?" Jesus responde: "[Eu sou] o Princípio, [Eu] quem vos falo". (João. 8:25). [1] Para o exercício de nosso intelecto proponho tratar aqui, pela graça de Deus, certos pontos a respeito do Princípio. Na língua grega, a palavra "Princípio" é feminina em gênero e, na passagem acima, está no caso acusativo. Agostinho expõe essa passagem [da seguinte forma]: "Eu, quem vos falo, sou o Princípio, acredite em mim e então vós não perecereis em vossos pecados". [2] Primeiramente, então, investiguemos se há Princípio. Platão, como Proclo escreve em seu Comentário ao Parmênides, assevera que este mundo veio a existir a partir de uma causa anterior, na medida em que o que é divisível não pode subsistir per se, pois o subsistente per se é aquilo que pode ser. Contudo, desde que o divisível pode ser dividido, também pode não ser; ou melhor, na mesma medida como é, em si, passível de divisão, não é subsistente per se, ou seja, não é authypostaton. [3] Além disso, um agente visível atua por meio de uma força invisível, por exemplo, o fogo atua por meio do calor e a neve atua por meio do frio; e, da mesma forma, em geral, um agente que causa ou gera é invisível. Mas, no caso do subsistente per se, o que faz e o feito, o que gera e o gerado são o mesmo. Portanto, [o subsistente per se] não é visível. [4] Além do que, se o divisível existisse per se, existiria e, ao mesmo tempo, não existiria. Por exemplo, se o cálido fosse per se aquilo que é, então ele faria a si mesmo quente e, portanto, seria ambos: quente e não quente [ao mesmo tempo]. De que modo poderia fazer-se quente se não fosse [anteriormente] quente e de que modo poderia ser em ato quente, quando quente se torna? Portanto, [o divisível] não pode ser movido por si mesmo. [5] Então, assim como todo movimento provém de uma causa imóvel, todo o divisível provém de uma causa indivisível. Contudo, este mundo visível e corpóreo é de uma natureza divisível, desde que o que é corpóreo é divisível. Assim sendo, [este mundo] provém de uma causa anterior, indivisível. [Isso], nosso Salvador o exprime quando fala: "Quem dentre vós pode adicionar um único cúbito no seu tamanho?" (Lc. 12, 25). De fato, o que é a partir de uma causa não pode acrescentar algo para que seu ser seja maior; mas, ele que deu o ser, isto é, Deus dá o incremento. Como Paulo afirma: "Nem aquele que planta nem aquele que rega, mas somente Deus é quem gera o crescimento" (I Cor. 3, 7). A partir dessas considerações, é evidente que somente o infinito e eterno é authypostaton, ou seja, existente per se, por isso, somente ele é indivisível e é aquilo ao qual nada pode ser acrescido. Contudo, podem haver adições e subtrações de algo finito, sem que haja conflito. Assim sendo, [o finito] não é authypostaton, ou subsistente per se, mas provém de uma causa mais antiga.
Este artigo busca discutir acerca da experiência místico-especulativa que Nicolau de Cusa (1401-1464) propõe aos monges de Tegernsee para os conduzir à “sagrada obscuridade” ou “teologia mística”. O autor estava motivado pela discussão do século XV, sobre se se deveria entender a visão contemplativa de forma meramente afetiva ou intelectual. Esse debate envolvia dois grandes partidários de ambas perspectivas, respectivamente, Vicente de Aggsbach e Gerson. Após troca de cartas, Nicolau de Cusa envia aos monges beneditinos o De visione dei (1453) e um quadro que representa “a figura de alguém que tudo vê” denominado por ele “Ícone de Deus”. Destarte, a partir da experiência de olhar um quadro, cuja pintura traz a peculiaridade de o olhar pintado acompanhar aquele que o olha, Nicolau os leva a especular sobre a experiência do olhar de Deus que não abandona e acompanha todos e cada um. Logo, o caminho proposto no De visione dei é uma verdadeira “condução pela mão” (Manuductio) para que os monges, segundo as suas capacidades, alcancem a experiência mística: do olhar finito do quadro ao olhar infinito que é o próprio olhar de Deus. O artigo, portanto, dentro do âmbito da filosofia de Nicolau de Cusa mostra a via reflexiva que parte da experiência da finitude até a mais alta e profunda especulação que o homem pode vir a fazer: contemplar o divino.
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