Eu gostaria apenas de lembrar um aspecto da obra de Pierre Clastres talvez um pouco esquecido, encoberto pela questão do poder e, contudo, tão importante quanto ela: sua reflexão sobre a linguagem. O que é falar para os índios? O que sua relação com a linguagem revela e permite pensar acerca de sua "natureza dupla e essencial": um questionamento que cada novo trabalho de campo o incitou a retomar? 2
Paris, 30 de janeiroQuem disse que a vida intelectual de Paris estava morta? Quem disse que a antropologia não mais era vívida e atraente? Aqui estamos, numa fria manhã de janeiro, em uma sala cheia de pessoas de diversas disciplinas e de vários países, ávidas por ouvir um debate entre dois dos maiores e mais brilhantes antropólogos 1 . O rumor circulou por salas de bate-papo e cafés: depois de anos fazendo alusões aos seus desacordos, em particular ou por publicações, eles concordaram enfim em trazê-los a público. "Vai ser áspero", me disseram; "vai ter sangue". Na verdade, em vez da rinha esperada por alguns, a pequena sala na Rue Suger testemunhou uma disputatio, muito parecida com aquelas que devem ter tido lugar entre estudiosos fervorosos aqui, no coração do Quartier Latin, por mais de oito séculos.Apesar de se conhecerem há 25 anos, os dois decidiram começar sua disputatio lembrando à plateia acerca do importante impacto do trabalho um do outro em suas próprias descobertas.Philippe Descola primeiramente reconheceu o quanto ele aprendeu com Eduardo Viveiros de Castro quando estava tentando se extirpar do binarismo "natureza versus cultura" ao reinventar a então obsoleta noção de "animismo" para entender modos diferentes de relação entre humanos e não humanos. Viveiros de Castro havia proposto o termo "perspectivismo" para um modo que não poderia ser mantido dentro das limitadas estrituras de natureza versus cultura, já que, para
Eduardo Viveiros de Castro é antropólogo e professor titular do programa de pós-graduação em antropologia social no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esta entrevista foi realizada durante o 3º Forum International de Philosophie Politique et Sociale, que ocorreu entre os dias 8 e 16 de julho de 2011 na Université de Toulouse 2 Le Mirail, em Toulouse (França). Coordenado por Jean-Christophe Goddard, esse simpósio foi organizado em torno de dois temas principais, a saber, "descolonização" e "transversalidade", encerrando o ano escolar 2010/2011 da Equipe de Pesquisa Sobre as Racionalidades Filosóficas e os Saberes (ERRAPHIS), do Departamento de Filosofia, ano caracterizado pelo esforço em se praticar a transversalidade com outros saberes: geografia, artes, biologia, urbanismo, política e antropologia. Durante o simpósio, Eduardo Viveiros de Castro apresentou alguns dos temas abordados em seu livro Métaphysiques Cannibales (2009). PRIMEIROS ESTUDOS: O que o senhor chama de experiência de pensamento, e como isso se relaciona com o trabalho de campo na antropologia? EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO: A noção de experiência de pensamento é uma ideia clássica em filosofia. Os filósofos gostam muito de fazer experiências de pensamento, "experiências" no sentido de experimentos. "Experiências de pensamento" significa experimentações imaginárias, feitas em pensamento. Eu usei essa expressão alguma vez, acho que em meu artigo "O nativo relativo" (2002), mas deturpando um pouco o sentido canônico da expressão, até porque eu estava usando isso para falar de antropologia. Usei a palavra experiência em seu duplo sentido, tanto no de * Doutorando em Filosofia-UFSCar e graduanda em Ciências Sociais-USP. Todas as notas de rodapé inseridas ao longo desta entrevista são dos entrevistadores.
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