Resumo. Em filosofia, diz-se que teorias são subdeterminadas pelas evidências, isto é, que não há um conjunto de evidências capaz de determinar uma escolha teórica. Essa questão fica clara no estudo de caso histórico da descoberta da fissão nuclear. Os caminhos tortuosos trilhados por físicos e químicos nucleares mostram as complexidades inerentes ao trabalho científico e os juízos de valor necessários para se guiar a prática científica e resolver anomalias teóricas, metodológicas e mesmo axiológicas. Com o auxílio das visões de ciência de Larry Laudan e Helen Longino, especialmente profícuas para esse episódio, este trabalho busca mostrar que, apesar disso, não se caiu em um abismo ilógico ou irracional nesse período. Uma abordagem educacional desse episódio, centrada nos problemas, na coletividade e na intersubjetividade, tem grande potencialidade para a educação científica. Abstract. In philosophy, it is said that the theories are underdetermined by evidence, namely that there is no body of evidence able to determine a theory choice. This issue is made clear in the case study on the history of the discovery of nuclear fission. The tortuous paths taken by nuclear physicists and chemists show the complexities inherent to the scientific work and the value judgments necessary to guide scientific practice and to solve anomalies of theoretical, methodological and even axiological nature. Leaning on Larry Laudan and Helen Longino's science views, which are especially fruitful for this episode, this paper seeks to show that, despite this, nuclear science did not fall into an illogical or irrational abyss in that period. An educational approach to that episode, centered on the problematic nature of science, its colectivity and intersubjectivity, keeps great potential for science education. Palavras-chave: fissão nuclear, racionalidade, objetividade, subdeterminação Keyword: nuclear fission, rationality, objectivity, underdetermination
IntroduçãoAté a descoberta da radioatividade natural, em 1896, o urânio, conhecido desde 1789, era considerado um elemento de pouca importância, sendo peculiar apenas por ter número atômico 92, o maior até então conhecido. A partir do século XX, o urânio passou a protagonizar as investigações atômicas e, mais tarde, com o modelo atômico de Rutherford-Bohr e a transmutação artificial dos elementos, esteve envolvido em uma questão que cativava os pesquisadores das recém-inauguradas áreas da física nuclear e da radioquímica: seria possível produzir elementos de número atômico maior que o urânio? Para responder esta questão era necessário superar um obstáculo empírico da época: a restrita disponibilidade de projéteis, até então carregados -prótons e partículas alfa, sobretudo -que não superavam a barreira coulombiana dos grandes núcleos.