A história das cidades brasileiras no período colonial, em grande medida, foi escrita a partir dos seus aspectos formais. As imagens de “abandono” e “desleixo”, cunhadas por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil(1936, 1948), motivaram gerações de pesquisadores a investigar a morfologia desses núcleos, buscando padrões de regularidade e ortogonalidade. Se muita atenção foi dada aos aspectos planimétricos, pouca ou nenhuma foi dada aos aspectos volumétricos e à materialidade enquanto fonte histórica. A dimensão material das relações sociais, com raras exceções, permaneceu em segundo plano, como simples cenário. Pouca atenção foi dada à sua dimensão potencializadora de novas relações sociais e, assim, ao mesmo tempo, produto e vetor em constante relação dialética. Visualizar a materialidade de núcleos históricos não é tarefa fácil, exige metodologia e instrumentos específicos mobilizados em perspectiva regressiva, envolvendo o entrecruzamento de documentação variada. Nos últimos anos, uma nova safra de estudos vem lançando luz em evidências empíricas que merecem debate por seu ineditismo e por conspirarem para uma necessária releitura da materialidade das cidades brasileiras coloniais, inclusive nas suas interfaces com o mundo rural envoltório. Valendo-se de fontes textuais com acentuada dimensão visual, espacializadas em cartografias regressivas por meio de novos aportes tecnológicos, inclusive o SIG (Sistema de Informação Geográfica), esses estudos dão a ver o que de outra forma não se vê, com foco em índices materiais que informam sobre relações sociais e sobretudo sobre processos de acumulação desiguais de tempos, em perspectiva histórica de longa duração. A cidade discutida enquanto artefato, produto e vetor da ação humana, é assim um campo privilegiado de análise em História Urbana, tema do presente artigo, que visa demonstrar alguns resultados interessantes e ainda inéditos nessa linha de investigação que estamos tendo o privilégio de constituir um grupo de pesquisa (BUENO, 2004, 2005, 2016; ANDRADE, 2012; ARRAES, 2017; BORSOI, 2013; BRAGHITTONI, 2015; KATO, 2011 e 2017; MOURA - tese em andamento). Numa espécie de Arqueologia da Paisagem Urbana, ensaiamos reconstituir a materialidade de cinco núcleos urbanos coloniais – São Paulo, Santos, Cunha, Vila Boa e Oeiras do Piauí– com vistas a detalhar nossa metodologia de pesquisa, apontando caminhos promissores para o campo disciplinar em debate no presente Dossiê.
Os núcleos mineradores da Capitania de Goiás tiveram a Igreja como um dos principais agentes modeladores do espaço urbano, juntamente com os rios e os caminhos, que conduziam aos outros arraiais. Esse artigo se propõe a clarear a interferência da Igreja nesses núcleos não só como assistência espiritual, mas elucidando como sua presença influenciou na constituição do desenho urbano dos assentamentos mineradores do século XVIII.
RESUMO O ouro foi o grande catalizador da povoação da Capitania de Goiás no século XVIII, ocupando parte dos sertões e criando uma rede de arraiais mineradores e estradas que conectavam a região central da colônia aos portos do litoral e à fronteira a oeste. Ao longo desse século, a busca pelo metal precioso redesenhou o vasto território, entrecortado por serras, planaltos e planícies, irrigado por rios, recoberto de matas e cerrado, terra originária de diversas etnias indígenas. Dos rios e das serras brotava o ouro, ao passo que surgiam novas povoações. Porém, o ouro não ficava nos arraiais - uma vez extraído, era despachado para longe, sem que lhes dessem tempo para imprimir nos núcleos urbanos os sinais promissores da riqueza. A queda da produção aurífera, durante o século XIX, acarretou uma nova configuração econômica que teria acometido a Capitania com o fantasma da decadência. Neste artigo, pretendemos quebrar alguns paradigmas sobre esse tema e avaliar o peso da decadência em quatro núcleos urbanos da Capitania de Goiás: Vila Boa, Pilar, Meia Ponte e Natividade. Escolhidos para o estudo por possuírem a mesma gênese mineradora, esses núcleos apresentam trajetórias distintas e características próprias que evidenciam essa diversidade, rebatidas na sua materialidade e conformação social. Com a análise e espacialização dos dados da Décima Urbana, podemos visualizar no intraurbano os reflexos da crise do ouro, além de revelar aspectos importantes ligados à sociotopografia desses núcleos.
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