RESUMOEste artigo visa discutir como o conceito de fluência vem sendo mobilizado nos estudos das afasias, tanto na literatura neuropsicológica tradicional -que correlaciona diretamente fluência e sua contraparte negativa, a disfluência, aos aspectos topográficos das lesões e aos seus efeitos causais (Broca, também referida como anterior ou motora e relacionada à produção da fala versus Wernicke, neste caso referida como posterior, sensorial e relativa a problemas de compreensão) 2 -e como o tema tem sido abordado nos estudos desenvolvidos na perspectiva enunciativo-discursiva, que incorpora a relação do sujeito com a língua(gem) e, ainda mais particularmente, com a sua própria afasia. A reflexão sobre essas questões demanda não só uma revisão crítica da semiologia das afasias, uma vez que esta é geralmente marcada por relações dicotômicas que privilegiam os aspectos biológicos do funcionamento cerebral, mas também um posicionamento diferenciado por parte daquele que interage com o afásico, seja como terapeuta profissional ou não. Em outras palavras, a discussão teórica acerca de conceitos recorrentes na literatura, como o de fluência, tem implicações relevantes para o acompanhamento terapêutico de sujeitos afásicos, o que se constitui como uma motivação a mais para a reflexão desenvolvida neste trabalho. ABSTRACTThis article aims to critically discuss how the concept of fluency has been mobilized in the studies of aphasia, either in the traditional neuropsychological literature -which establishes a direct correlation between fluency and its negative counterpart, disfluency, to the topographical aspects of the lesions and its causal effects (Broca, also referred as anterior or motor and related to production of speech versus Wernicke, in this case referred as posterior, sensorial and relative to comprehension problems) and how the theme has been approached in the studies developed under the enunciative-discursive perspective, which incorporates the subject´s relation with language and, even more particularly, with
Os artigos deste volume organizam-se em torno da (dis)fluência. O tema é atraente porque, se, por um lado, verifica-se ainda a insuficiência de reflexão a respeito, por outro, parecer haver manifestações, na literatura, de interesse crescente nas definições, considerações e abordagens sobre ele. Tal interesse tem sido acompanhado do igualmente crescente reconhecimento de que os limites entre fluência e disfluência são fluidos. Assim, pode-se dizer que um dos pontos de vista sobre a dicotomia fluência/ disfluência que salta aos olhos hoje em dia é justamente o fato de que essa é uma falsa dicotomia. Encontram-se fortes argumentos, em trabalhos recentes, de que certos traços tradicionalmente considerados como marcas de disfluência (e mesmo patologia, como a pausa) não só não são a contraparte desviante, marginal, descartável, excessiva, errônea, imperfeita da fluência, como também existem para garantir o fluir da fala (cf. a recentemente defendida tese de doutorado de Sandra Merlo). Como já mostrava Scarpa (1995), essa divisão, que apela para a pouco produtiva cisão entre uso e conhecimento, tem tendido a ser relativizada ou mesmo completamente abandonada. Mais ainda: como Novaes-Pinto demonstra (ver artigo neste volume), não se pode apelar para tal cisão (uso/conhecimento; fuência/ disfluência) nem ao menos para justificar a classificação, corrente na literatura médica e paramédica, da fala afásica como fluente ou não-fluente.
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