A “realidade do saber e da habilidade que se inculca”: clima, médicos e saúde pública no Brasil, 1808-1835

Abstract

Resumo Esse artigo analisa os esforços de construção de espaços próprios à intelectualidade médica no Brasil a partir da transferência da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro em 1808, passando pelo processo de independência do país, até a criação da Academia Imperial de Medicina, em 1835. A partir dessas iniciativas, procurou-se afirmar a proeminência do saber médico-científico diante das práticas de cura tradicionais, bem como uma agenda higiênica para a nação independente, fortemente atrelada à legitimação de uma expertise local sobre a climatologia brasileira. Ao longo desse processo, algumas lideranças médicas envolvidas buscavam afirmar a convergência entre o discurso higiênico e os interesses do Estado imperial nascente, ao mesmo tempo em que anunciavam renovar os mecanismos de legitimação da carreira que, supostamente, passavam a se dar pelo mérito científico em detrimento dos favorecimentos clientelares típicos do Antigo Regime.

Da saúde enquanto um direito constitucional até a política nacional de assistência farmacêutica

“…As primeiras instâncias de saúde pública no país se deram com a chegada da Coroa Portuguesa, em 1808, com o intuito de fiscalização do exercício da medicina, habilitação dos interessados em trabalhar com a cura, além de multar aqueles que trabalhavam sem a habilitação legal e, garantir a salubridade da Corte por meio da fiscalização de portos, embarcações, passageiros e mercadorias com o intuito de prevenir a chegada de novas doenças. Esse fato também marca a criação das Escolas Médico-Cirúrgicas nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro Teixeira, 2012;Freitas;Edler, 2022).…”

A primeira bibliografia médica do Rio de Janeiro (século XIX)

“…Utilizando-se desse cenário, médicos diplomados e titulados na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro escreveram ensaios, compêndios e artigos de jornais. No geral, tais anotações descreviam a doença, propunham tratamentos e, sempre que possível, enfatizavam a importância dos conhecimentos acadêmicos e os perigos dos saberes e das práticas populares (Freitas;Edler, 2022, p. 3414).…”

“…No Brasil, a partir da instalação da Impressão Régia, em 1808, muitos dos estudos médicos publicados relacionavam as doenças com o estado sanitário da cidade e apontavam medidas que poderiam ser implementadas a fim de higienizar o espaço público e diminuir o contágio das doenças (Freitas;Edler, 2022, p. 3410-3411). 8 Assim, o catálogo de Xavier da Veiga exemplifica tal situação ao inventariar uma grande quantidade de obras médicas que abordaram a questão das doenças com a higienização do espaço público, isto é, que colocavam o estado sanitário das cidades como uma das razões para a propagação das doenças e destacavam o quanto medidas preventivas e pedagógicas eram necessárias para o bem da população.…”