O discurso cristão sobre a “ideologia de gênero”

Abstract

Resumo: Este artigo realiza uma genealogia do discurso cristão sobre a “ideologia de gênero” que se difundiu em nossa sociedade nos últimos anos e tem pautado uma série de projetos de leis em tramitação nas diferentes instâncias do poder legislativo brasileiro. Neste sentido, revela-se que a formulação deste discurso por intelectuais católicas/os começou nos anos 90, como uma reação às iniciativas das feministas que conseguiram inserir a categoria gênero nos documentos das conferências sociais da ONU. Nas sessões seguintes, é analisada a disseminação deste discurso cristão na esfera política e na sociedade civil por parte de atores católicos e evangélicos que rejeitam a adoção da categoria de gênero nas políticas públicas. Nas considerações finais, são indicados os desafios a serem enfrentados pelos movimentos feministas e LGBTT nos próximos anos.

As Teologias E Práticas Políticas Dos Movimentos (Eco)feministas

“…3 A inventiva patriquiriarcal da 'ideologia de gênero' é reação aos movimentos e às conquistas civis, jurídicas e religiosas de mulheres. Ver Machado (2018) e Souza (2000). 4 A este respeito ver Richter Reimer (2005), com referências.…”

O discurso da \"ideologia de gênero\" na Câmara dos Deputados: análise crítico-discursiva e psicopolítica

“…Como relatado pela literatura acadêmica (Bracke & Paternotte, 2016;Junqueira, 2017;Machado, 2018;Miguel, 2016) Assim, optamos por dar destaque a este trecho da fala do deputado pela explicitação de três aspectos específicos de seu discurso: (1º) os elementos emotivos do medo, sentimentos de ameaça, incerteza e desestruturação constituem a "espinha dorsal" do discurso da "ideologia de gênero", que possui um lastro não racional e motivações comumente relacionadas com o espectro do conservadorismo político (Jost et al, 2003;Jost, 2017;Sidanius & Pratto, 1999);…”

“…Assim, gradualmente, uma nova agenda conservadora foi amadurecida por lideranças e grupos da extrema-direita, contribuindo para a conformação de novos discursos no âmbito das disputas pela hegemonia da sociedade (Fairclough, 2003;Gramsci, 1971, Laclau & Mouffe, 1985/2001. Tais grupos encontraram nas políticas sexuais um campo de batalha moral com forte apelo popular e lastro religioso no cristianismo, tendo em vista a emergência de novos pânicos morais relacionados ao avanço de políticas públicas inclusivas à diversidade sexual e de gênero (Freire, 2018;Machado, 2018;Miskolci & Campana, 2017). campo das disputas político-ideológicas no Brasil, com o acirramento das polarizações e a vitória de uma "ordem do discurso" (Fairclough, 1992(Fairclough, , 2003 Dessa forma, após aproximadamente trinta anos de Nova República, tivemos um reavivamento das direitas políticas no país, com a emergência de grupos de extrema-direita no centro do cenário político nacionaldeclaradamente saudosistas do regime militar, pela promoção do controle sociocultural restrito e da patrulha ideológica efetuada por órgãos do Estado.…”

“…No campo das políticas sexuais, o discurso de combate à "ideologia de gênero" surgiu, sobretudo a partir de 2015, como o principal elemento unificador da atuação de grupos conservadores. O termo "ideologia de gênero" aglutinou uma série de preocupações relacionadas à agenda conservadora em conformação, como os direitos sexuais das mulheres (em especial o aborto), a união civil e o casamento homoafetivo, a igualdade social entre homens e mulheres, a educação em sexualidade e direitos humanos, o reconhecimento das identidades trans, entre diversas outras (Bracke & Paternotte, 2016;Cornejo-Valle & Pichardo, 2017;Kováts & Põim, 2017;Machado, 2018).…”

“…A IV Conferência Mundial de Mulheres da ONU, realizada em 1995, na cidade de Pequim, consolidou as políticas de gênero no cenário internacional, assim como abriu espaços para o reconhecimento de demandas como o direito ao aborto e as pautas LGBT, se tratando de um importante marco histórico quando nos referimos ao discurso da "ideologia de gênero" (Blázquez-Rodríguez et al, 2018;Corrêa, 2018;César & Duarte, 2017;Machado, 2018;Amaya, 2017). Isto se conformou desta forma porque, após esta conferência, o conservadorismo cristão se reorganizou internacionalmente em uma "cruzada moral" anti-gênero (Balieiro, 2018 (...) a família tradicional formada pelo esposo, a esposa e seus filhos, vem sendo solapada de várias maneiras.…”