Este artigo problematiza o estatuto enunciativo da escuta na constituição da criança como falante e como escrevente. A partir de uma leitura prospectiva da teorização enunciativa de Émile Benveniste, procede-se a uma reflexão que busca, primeiramente, situar a escuta entre as enunciações falada e escrita e, em seguida, analisar o funcionamento enunciativo da escuta na relação inicial da criança com a fala e com a escrita. Essa análise tem como corpus recortes enunciativos de duas crianças: de um lado, uma menina, acompanhada dos onze meses aos três anos e quatro meses, em seu vir a ser falante; de outro lado, um menino, acompanhado dos seis anos e três meses aos oito anos e nove meses, em seu vir a ser escrevente. Os resultados da análise desembocam numa definição de escuta como uma instância mediadora entre as duas formas de realização verbal da língua – a vocal e a gráfica – e entre os planos enunciativos nos quais cada uma se desdobra – os planos da emissão e da percepção vocais e os planos da emissão e da percepção gráficas. O estudo conclui que é situando-se e sendo situada como ouvinte do outro, bem como o situando como seu ouvinte, em desdobramentos entre enunciações faladas e escritas e em deslocamentos entre distintos lugares enunciativos, que a criança se instaura na fala e na escrita, transformando sua relação com a língua materna e, consequentemente, com a linguagem.