“…Faz-se importante, aqui, destacar que, embora a dimensão de gênero não tenha sido um recorte apriorístico da pesquisa, foi no curso de seu desenvolvimento (ou seja, uma consequência do seu próprio campo), e por meio das próprias questões que as trajetórias traziam à tona, que tal dimensão foi se fazendo presente, até o ponto em que todas as interlocutoras principais foram mulheres: de um lado, constatou-se a recorrência de deslocamentos habitacionais e trajetórias de busca por moradia entre estas mulheres das camadas populares; de outro, a reafirmação, por meio das narrativas, da centralidade da moradia nesses atravessamentos de gênero, ancorados em arranjos matrifocais que perpassam relações familiares ampliadas, conjugais, filiais ou mesmo de vizinhança. Para além das muitas camadas de vulnerabilidades recorrentes nessas trajetórias de mulheres em "situação periférica" (Almeida et al, 2009) -migrações interurbanas, violências domésticas na infância e adolescência, o trabalho precoce como empregadas domésticas e relações de obrigação para com patroas, a gravidez na adolescência, o abandono ou expulsão da casa da família, processos de subordinação e libertação da dependência masculina, a intermitência laborial em função de gravidezes e filhos, para citar algumas 18 -, os deslocamentos habitacionais e a contínua busca por moradia são, de fato, aquelas que aproximam todas as trajetórias femininas investigadas (e não apenas as quatro desdobradas em profundidade na tese): estão diretamente relacionadas aos diversos arranjos entre mulheres, sobretudo quando mães solteiras, para construir as mediações necessárias para a persistência na vida na cidade, dentre os quais destacam-se a coabitação feminina, o intercâmbio de tarefas domésticas, a circulação de crianças, ou as redes de informações, para citar algumas, e que vinculam sobremaneira as possibilidades de algum tipo de fixação (em termos de moradia) e o enfrentamento das incidências gestionárias do estado (mas também do mundo do crime) sobre suas vidas e, principalmente, de seus filhos.…”