Estudaremos, na aula de hoje, a epidemiologia e profilaxia da moléstia de Chagas. Vamos nos ater principalmente a esses dois aspectos do problema, não tratando, senão de modo accessório, de assuntos que constituem o objeto de outras cadeiras da Faculdade, como por exemplo a clínica, a anatomia patológica e outros.Duas são. as tripanosomoses humanas conhecidas até. o presente: a tripanosomose africana e a tripanosomose americana, que tomam essas designações dos continentes onde existem, respectivamente, África e América. Apenas nos apresenta interesse imediato a tripanosomose americana, visto como a outra, a moléstia do sono, é privativa do continente africano. Assim sendo, limitemos o nosso estudo à tripanosomose americana.
SINONÍMIA iAs denominações comumente usadas para a moléstia que ora nos ocupa são: tripanosomose ou tripanosomíase americana e moléstia de Chagas, representando esta última justa homenagem à memória do seu descobridor. Outras designações atualmente se tornaram obsoletas ou impróprias e apenas merecem consignadas. São elas: moléstia de Cruz, e Chagas, doença do "barbeiro", tireoidite parasitária, ètc.
HISTÓRICOVeremos, com alguns pormenores, a história das principais etapas que resultaram no esclarecimento das diferentes questões atinentes à moléstia, porque esse retrospecto se nos apresenta cheio de ensinamentos, fazendo ressaltar a obra genial desse grande investigador patrício que foi o Professor Carlos Chagas. (*) Aula dada aos alunos do 5.° ano da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1940)-. , • REVISTA DE MEDICINA -31 OUTUBRO 1940 Em 1907, o Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, encarregou o assistente desse Instituto, íE)r. Carlos Chagas, de realizar uma campanha anti-palúdica, no norte do Estado de Minas Gerais, zona em que se construía o prolongamento da. Estrada de Ferro Central do Brasil. a Nessa região, foi Chagas informado da presença de um inseto íiematófago domiciliar, vulgarmente chamado "barbeiro", que infestava as habitações toscas dos< moradores do lugar. Encontrava-se o "barbeiro", em maior abundância, nas casas de pau a pique, de paredes não rebocadas. Ò inseto ocultava-se nos inumeráveis orifícios e frinchas das paredes e do teto, de onde saía, em grande número, após o apagar das luzes, para exercer o seu hematofagismo, picando os indivíduos, durante o sono.Teve Chagas (1) a idéia de examinar o conteúdo intestinal, de alguns desses hemípteros, encontrando, nesse material, a presença de numerosos protozoários flagelados, com a morfologia de critídia. Enviou, então, alguns desses insetos para o Instituto Oswaldo Cruz, onde Cruz fê-los picar um macaco, Callithrix penicillata. Após 20' ou 30 dias, Chagas (1) (2) verificou a presença de numerosos'tripanosomas, no sangue periférico desse macaco. -Esse tripanosoma. apresentava morfologia inteiramente diferente das espécies até então' conhecidas, do gênero Trypanosoma.Em pesquisas logo depois realizadas, determinou Chagas (1) a capacidade infectante desse tripanosoma não só para macacos do g...