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Papéis da Prisão (2015), do angolano José Luandino Vieira, publicação que reúne material produzido ao longo de 12 anos de reclusão, permite ao leitor não só o contato com a própria prática da escrita como artifício de resistência ao cárcere – uma vez que eram necessárias estratégias que afrontavam o contexto para a produção, preservação e circulação dos Papéis – mas também com a busca pelo desenvolvimento de uma estética que atendesse à necessidade expressiva da complexidade que o escritor tencionava figurar. A reinvenção linguística e formal exercitada ao longo dos 17 cadernos permite notar a apropriação da língua portuguesa como “despojo de guerra” (VIEIRA apud. CHAVES, 1999, p. 167) e o investimento em sua transformação, convocando outras matrizes de pensamento e expressão como forma propositiva de arquitetar uma dicção que desafiasse os limites do idioma da ordem colonial. Valorizando elementos outrora subjugados pela dinâmica do império, a radicalidade do projeto literário permite afirmar um empenho do escritor, “dentro de [seu] particular campo de acção – o estético” (LABAN, 1977, p. 91), em construir uma obra capaz de contestar o projeto de dominação em sua integridade.
O presente artigo visa apresentar um breve panorama histórico da literatura moçambicana, com o intuito de introduzir questões relevantes acerca do tema ao público em geral, mesmo aos leitores não familiarizados com os estudos literários. A exposição parte do pressuposto de que a dialética entre texto e contexto é de importância fundamental para a análise literária, sobretudo quando se toma por objeto a produção de um país como Moçambique, cuja história turbulenta de passado colonial e sucessivas guerras influenciou diretamente a cultura e sociedade nacionais.
Nas histórias das literaturas há escritores que pela dimensão de sua obra tornam-se figuras fundamentais. Há também outros que, pela força do que viveram, convertem-se, eles próprios, em grandes personagens, impondo-se aos nossos olhos como passageiros de travessias incomuns. Nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, cujos repertórios foram produzidos em espaços de exceção -o exílio, a clandestinidade, os maquis e/ou a prisão -, deparamo-nos com percursos que nos conduzem para além dos limites dos textos e a eles nos fazem regressar para novas leituras. O aspecto extraordinário de certas trajetórias explica a importância de ouvir alguns escritores, não para encontrar em suas vozes a melhor explicação de suas obras, mas porque elas nos trazem um conjunto de referências que não estão consolidadas em nosso universo cultural e a História ainda não pôde configurar. Em se tratando de Angola e seu convulsionado processo histórico, não há dúvida acerca da relevância de certos depoimentos.É claro que 40 anos na vida de um país é muito pouco para avaliações decisivas. E a falta de paciência histórica que tinge o nosso olhar nos leva, tantas vezes, ao equívoco. Mas há certezas inscritas na pedra do tempo. Entre elas destacam-se a importância de um escritor e a sua capacidade de iluminar o itinerário de uma literatura, a do seu pais, do país que ele, de diversos modos, ajudou a forjar. Em 2015 contamos quatro décadas da independência de Angola e, a despeito de tudo, podemos celebrar uma grande virada na história do colonialismo. Mas é válido recordar que dez anos antes um autor e um livro estiveram no centro de um forte golpe à opressão colonial: José Luandino Vieira e Luuanda ultrapassariam os domínios do literário e se colocariam como peças de um contexto político sem volta. Escritas na prisão e dela escapando por caminhos inusitados, as estórias de Luuanda conquistaram um prêmio, o de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores, e provocaram um notável abalo na atmosfera que envolvia a colônia e a
Se grande parte da obra de José Luandino Vieira foi escrita em situação de confinamento, pouco se assemelha ao tipo de isolamento requerido pela pandemia que nos assola. A prisão, condição muito mais radical, confiscou 12 anos da vida do escritor que passou, a partir de então, a recorrer à própria memória para “substituir a vida” enquanto a tinha “hipotecada por vários anos” (VIEIRA, 2015, p. 09). Em Papéis da Prisão, reunião de parte do material produzido neste contexto, é possível encontrar, no entanto, passagens que podem encontrar eco no presente ao refletir acerca das modificações que a relação com o tempo sofre quando a relação com o espaço é forçosamente modificada.
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