Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 250-273 ARTIGO ECrenças, valores e representações sociais da violência 1 ste texto pretende explicitar a utilização que tenho feito da noção de representações sociais enquanto possibilidade de compreensão do fenômeno da violência contemporânea, assumindo ser impossível compreender esse fenô-meno sem se interrogar sobre os sentidos, os valores e as crenças que estruturam e presidem a vida social, os quais são o conteúdo por excelência das representações sociais. É parte das reflexões que tenho desenvolvido sobre a possibilidade de retomar a outrora recorrente questão das crenças e dos valores, a re-inserindo no rol de dispositivos disponíveis à explicação sociológica. A questão parece re-ganhar atualidade quando se discute o papel e o lugar da subjetividade na teoria e sua relação com o também recorrente requisito da objetividade como condição para produção de conhecimento válido.A indagação que se coloca é a de como trabalhar a categoria valor -e sua relação com crenças -sem recorrer ao meramente normativo, recurso que transforma, por vezes, a teoria em um agregado de wishful thinking.
Mídia, segurança pública e representações sociais* Introdução Centrada na perspectiva sociológica de compreensão dos possíveis efeitos da atuação midiática no estabelecimento de políticas de segurança pública e limitando minhas observações e exemplos ao Distrito Federal, explicito, inicialmente, a ideia que pretendo defender: as mídias constituem, nas modernas democracias contemporâneas, um dos principais produtores de representações sociais, as quais, para além de seu conteúdo como falso ou verdadeiro, têm função pragmática como orientadoras de condutas dos atores sociais. Sendo assim, faz sentido argumentar em favor da relevância do tema como subsídio para a formulação de políticas para a área, não por serem as representações sinônimo de verdade, mas por se constituírem em veículos privilegiados de crenças, valores e anseios de distintos setores da sociedade.Não sendo a mídia minha área de reflexão teórica ou campo de pesquisa empírica, esta incursão no tema decorre, pois, de sua centralidade como ator social nas modernas democracias. Sob esse aspecto, Muhlmann (2008, p. 19), em sua apresentação e comentários sobre os textos de Robert E. Park, recentemente publicados em francês, estabelece relação estreita entre imprensa e democracia, ressaltando, igualmente, o fato de esse autor -que foi jornalista antes de se notabilizar como representante por excelência da Escola de Chicago -ter elaborado análises sobre o jornalismo moderno que cer-* A versão inicial deste texto foi apresentada durante o II Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Públi-ca, como parte da mesa-redonda "Mídia e segurança pública", em março de 2008, em Recife, e resulta de pesquisa apoiada pelo CNPq.
RESUMO:O texto objetiva pensar a existência de novos sentidos/significados da violência no Brasil, argumentando que seu surgimento articula-se a transformações na natureza da sociedade brasileira, as quais, por sua vez, inserem-se no contexto de transformações mais abrangentes, combinando processos de globalização e fragmentação. A reflexão articula, igualmente, novos ângulos de análise que conduzem a pensar a violência também através de uma relação entre exclusão/inclusão, apreendidas não como formas excludentes e dicotômicas mas como categorias integrantes de uma mesma dinâmica, na qual atores sociais podem vivenciar alternadamente formas de inclusão/ exclusão decorrentes de processos sociais fragmentados, diferenciados e plurais.exclusão social tem sido uma categoria importante e presente nas análises que buscam relacionar violência e direitos civis. Enfatizase o fato de que os excluídos dos direitos tornam-se alvos, ou atores, mais imediatos da violência. Sem negar a importância dos vínculos que, de um modo geral, permitem associar tais fenômenos, propomonos a refletir, igualmente, sobre aspectos, manifestações e contextos de violência cujos protagonistas encontram-se, também, em camadas ou grupos sociais normalmente considerados como incluídos. Ou, seria talvez mais pertinente pensar contextos e situações nos quais inclusão e exclusão, concebidas como categorias que perpassam dimensões econômicas tanto quanto sociais e culturais de um dado espaço social, podem se entrecruzar no decurso de um mesmo sistema de ação de um ator social, individual ou coletivo.
O artigo faz uma breve consideração inicial sobre os conceitos tratados, conforme aparecem no título, e, baseando-se em resultados de pesquisa, se detém na análise dos meios de massa enquanto variável causal na produção da violência contemporânea. Reconhecendo a existência de estreitas relações entre mídia e violência, enfatiza o caráter plural do fenômeno e de suas causas, apontando para os riscos de se diabolizar o papel da mídia responsabilizando-a, de modo unilateral pela produção e/ou crescimento da violência.
A o preparar a apresentação deste dossiê sobre violência, algumas reflexões auxiliaram-me a decidir sobre a forma de conduzi-la. Em primeiro lugar, concluí, com certa apreensão e alguma tristeza, mas também com um sentimento positivo, que este é já o terceiro número de Sociedade e Estado dedicado ao tema.A apreensão e tristeza foram decorrentes da constatação de que, passados 20 anos desde a publicação do primeiro dossiê, em 1995, seguido de um segundo, em 2004, o contexto empírico da violência em suas múltiplas formas de manifestação se mantém como problema social persistente e recorrente -seja em termos das práticas, seja no que diz respeito às representações sociais -, configurando cenários de insegurança e medo que, apesar de diferenças significativas em suas formas de concretização, atravessam o conjunto da sociedade brasileira. O caráter positivo, por sua vez, é consequência da constatação de que, sem se deixar pura e simplesmente colonizar pelos problemas sociais, a reflexão acadêmica soube delimitar quando, como e onde se fazia pertinente construir o problema social como questão sociológica, resultando daí um considerável avanço no processo de conhecimento sobre o fenômeno. Não se pode, por certo, concluir daí que este maior conhecimento resulte automaticamente em menos violência. Mas, também, não é menos verdadeiro que a produção científica da área pode ser -e, eventualmente, tem sido -fonte de subsídio para as políticas públicas de segurança. Ainda que à universidade não caiba instrumentalizar a atuação ou a função da segurança pública, a maior proximidade entre estes campos tem configurado parcerias inexistentes e mesmo impensáveis até há bem pouco tempo, com ganhos e perdas para ambos os lados. Esta realidade acarreta a necessidade de se avaliar e de se questionar, de modo permanente, as possibilidades e os limites de tais parcerias e o sentido destas articulações, não para interrompê-las, mas para aperfeiçoá-las, guardando sempre, com bastante clareza, a distinção entre os objetivos perseguidos pelos campos da ciência e da política. Ou seja, a primeira reflexão contribuiu para reafirmar a importância deste dossiê, que veio complementar, aprofundar e ampliar os temas já abordados nos dois números anteriores da revista.Em segundo lugar, a reflexão que a seguir ocupou-me intensa e profundamente foi de cunho pessoal e acabou por definir o conteúdo do que vai ser lido: no momento * Professora titular
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