Situando-nos no cruzamento entre as áreas da saúde e educação, propomos refletir sobre formação no/para o SUS a partir de nossas experiências junto à Rede Cegonha, no Ministério da Saúde, especificamente no acompanhamento da implantação dos Centros de apoio ao desenvolvimento de boas práticas na gestão e atenção obstétrica e neonatal. Entendendo o campo da saúde como um território de ensino (formatações pedagógico-corporais) e de aprendizagens (experimentação de formas singulares de práticas de saúde), pensamos que a qualificação do cuidado em saúde (nesse caso particular, de mulheres e crianças) passa pela experimentação de um referencial ético-político-pedagógico que se desdobra em diretrizes formativas cuja potência parece se situar na gestação de um certo modo de fazer-saber-produzir formação no SUS que se tece na indissociabilidade entre trabalho-formação-intervenção-gestão.
Propomos refletir sobre práticas de cuidado e de gestão em saúde, entendendo-as como práticas sociais bem datadas. Situando-nos no cruzamento entre as áreas da educação e saúde e, nelas, dos estudos sobre corpo, apontamos práticas de saúde como pedagogias culturais, a partir das quais são prescritos determinados sentidos e condutas, mas, também, por meio das quais são construídos sentidos e fazeres inéditos que deslocam, bifurcam, fazem questionar tais prescrições. Dito de outro modo, entendemos aqui o campo da saúde como um território de ensino (formatações pedagógico-corporais), mas, também, de aprendizagens (experimentação de formas singulares nos fazeres e dizeres em saúde), e o cuidado e a gestão em saúde como uma montagem (corporal) conflituosa entre formas de sujeição e forças de experimentação, a partir das quais as práticas em saúde se tecem.
De que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto quanto possível, o descaminho daquele que conhece? Existem momentos na vida nos quais a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir. (Foucault, 2003a, p.13) Este artigo foi pensado não como afirmação de uma idéia ou formulação de respostas a uma problemática, a um problema. Interessa-nos mais provocar deslocamentos. Pensamos, desde a nossa escrita e por meio dela, nos lançarmos na aventura de produzir formas compartilhadas de andares outros e de andar com outros. Nessas andanças, o objetivo é fazer novas conexões, compondo, como diria Cervantes (apud Vasconcelos, 2008), não uma paisagem de ilha, mas de encruzilhadas, ousando, inclusive, o descaminho. Escrevemos "para fortalecer linhas de fuga nesses tempos em que a perturbação, essa potência de afetação que toda alteridade traz em seu seio se abranda ao ser inadvertidamente incluída, identificada, apaziguada" (Vasconcelos, 2008, p.188). Neste artigo, escrevemos para que análises sejam feitas, para que analisadores aconteçam, 'revelando' modos de funcionamento instituídos no campo da saúde coletiva, provocando-os, desestabilizando-os. Inspirando-nos no movimento institucionalista (Lourau, 1995), entendemos o conceito-ferramenta "analisadores" como situações espontâneas 3 ou produzidas que colocam algo (uma instituição, um dispositivo, uma encomenda) em análise. É o que, ao emergir em determinada situação-artificial ou espontânea-, possibilita uma quebra dos modos habituais, desestabilizando formas, muitas vezes, percebidas como naturais e até necessárias (Benevides, 2002; Coimbra, 2001). Apostamos, então, numa escrita que se faz para interferir, para perturbar o caráter de evidência dos saberes, fazeres, dos poderes e das sensibilidades que compõem esse cenário. Nele, por meio dele, atentas aos seus movimentos, vamos fiando um percurso, pensando a tessitura de redes de produção de saúde e na possibilidade de estas serem alinhavadas pelo apoio institucional.
ResumoO processo de Reforma Psiquiátrica em Aracaju-Sergipe, embora recente, é referência nacional. O município dispõe de uma rede de atenção em saúde mental bem estruturada (um CAPS I, um CAPS i/AD, um CAPS AD III, três CAPS III, quatro residências terapêuticas, assistência ambulatorial, retaguarda de uma urgência mental e do SAMU, articulação do cuidado com Atenção Básica) e alicerçada nos princípios do SUS e da Luta Antimanicomial. Mas quando esse processo começa a se desprender dos fluxos que justificaram sua institucionalidade, sem expressivas participações de movimentos sociais, sobressaindo-se desejos de conservação entre gestores, trabalhadores, usuários, comunidade, entre todos nós, poder-se-ia considerar indicativos de uma institucionalização da Reforma Psiquiátrica? Este artigo discute modos de resistir à institucionalização, destacando a estratégia clínico-política do Acompanhamento Terapêutico, transmutando limites em desafios. Sair, pensar saídas, pensar uma clínica da experimentação, uma forma de conhecer encarnada, um trabalho terapêutico exposto à vida, eis o nosso objetivo.Palavras-chave: saúde mental; reforma psiquiátrica; institucionalização/ resistência; clínica; acompanhamento terapêutico. AbstractThe process of Psychiatric Reform in Aracaju-Sergipe, although recent, is a national reference. The city has a network of mental health attendance well equipped (one CAPS I, one CAPS I/AD, one CAPS AD III, three CAPS III, four therapeutic residences, outpatient assistance, support of a mental urgency and of SAMU, articulation of care with Primary Health) and based on principles of SUS and of the Antimanicomial Movement. However, when this process begins to self release from the fluxes which justified its institutionalism, without expressive involvement of social movements, over projecting desires of conservation among managers, workers, users, community, among all of us, could it be possible to considerate indicatives of Psychiatric Reform institutionalization? This article discusses ways of resisting the institutionalization, highlighting the strategy clinical -political of the Therapeutic Accompaniment, transmuting limits in challenges. Exiting, think about exits, a clinic of experimentation, a therapeutic work exposed to life, here is our aim.
A Política Nacional de Humanização (PNH) tem experimentado apoio institucional como estratégia metodológica para interferir em modos de gerir e de cuidar no Sistema Único de Saúde (SUS), qualificando-os. Neste artigo pretendemos analisar a relação entre função apoio institucional e humanização, valendo-nos da experiência realizada no Plano de Qualificação de Maternidades (PQM), para o qual a contribuição da PNH centrou-se justamente no objetivo de desenhar a função apoio institucional. Tendo por base o entendimento de que, para mudar o modelo de atenção e de gestão ao parto e nascimento, é preciso interferir em práticas de saúde ‘desumanizadoras’, no PQM o apoio institucional se constituiu como fio condutor, cujo escopo foi o de, por meio da criação de espaços coletivos de análise e interferência nas práticas, tecer uma rede coletiva de produção de saúde materna e infantil.
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