Na Nota ao Leitor que abre a edição brasileira de Discourse: Estructure or Event?, Eni Orlandi afi rma que Pêcheux, sem negar o percurso pelo marxismo, experimenta os seus limites. Pode ser válido acrescentar que provavelmente não o faz por vontade de atravessá-los, e sim para alargá-los, estendê-los.Eis Michel Pêcheux, partidário e amante do fogo caloroso do trabalho crítico, alheio às convenientes e frias fogueiras incineradoras de vestígios e comprometimentos (que, segundo ele, só produzem fumaça 2 ),... talvez seu maior legado, junto a seus companheiros de equipe e empreitada, tenha sido jamais isolar-se no seu quintal particular (qual seria este, a fi losofi a?, a psicologia?, a linguística?, a AD?), não acomodar-se no "seu terreno próprio" ou nas linhas delimitadoras de um jogo bastante previsível como muitas vezes o é a produção teórico-acadêmica. Com Pêcheux vemos com clareza a necessidade de partir para aqueles terrenos aos quais é preciso ir, reconhecê-los em meio às conjunturas sempre complexas do saber e do agir, e não ceder aos atalhos e trilhas gastas pelas convenções e conveniências.Metáforas como as futebolísticas -cada vez mais presentes no universo político brasileiro da Era Lula, mas já utilizadas no início da Era Mitterand na França -podem ser (sem que necessariamente sempre o sejam) extremamente limitadoras. O desenvolvimento histórico e científi co não tem quem lhes limite os avanços com um apito na boca, e as invasões de campo não necessariamente levam à suspensão do tempo. O problema, e aí entramos em O discurso: estrutura ou acontecimento, é que justamente estas e outras metáforas, em sua aparente transparência e universalidade de aplicação, podem trabalhar consigo certas discursividades que capturam e neutralizam o real histórico naquilo que este tem de mais fugidio e arrebatador. Elas conseguem fazer com que o novo ou potencialmente novo, de forma evidente e inequívoca, apenas confi rme e atualize o cristalizado. Desarmam bombas.