Resumo: O artigo aborda as características atuais do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, em especial a almejada abstrativização do controle difuso. Para tanto, estuda a teoria da inconstitucionalidade, os sistemas de controle, o hibridismo brasileiro e a sua mitigação através da abstrativização, que almeja objetivar o controle difuso, imputando-lhe efeitos típicos do controle abstrato. Além de analisar os benefícios e prejuízos desta tendência, investiga as súmulas vinculantes como forma adequada de implantá-la no ordenamento jurídico brasileiro para regular concessão de efeito erga omnes e vinculante às decisões de controle difuso de constitucionalidade sem participação do Senado Federal.Palavas-chave: Súmula Vinculante. Controle de Constitucionalidade. Abstrativização. Supremo Tribunal Federal. Abstract:The article deals with the current characteristics of the Brazilian system of judicial review, specially the diffuse control's abstraction. In order to do that, it studies the unconstitutionality theory, the Brazilian judicial review system and its mitigation through the "abstraction" which aims to object the diffuse control, charging it with the typical effects of the abstract control. Besides evaluating the benefits and drawbacks of this trend, it investigates the binding docket as a proper way of using it in the Brazilian legal system, and granting the binding and erga omnes effects to the diffuse control´s decisions without the Senate participation.
RESUMOTrata-se de artigo cujo objetivo é identificar o entendimento do Supremo Tribunal Federal - STF sobre a Separação dos Poderes no que se refere à natureza do Mandado de Injunção, um remédio constitucional a ser concedido em caso de omissão do Poder Público em editar norma regulamentadora necessária para viabilizar o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. O entendimento histórico do STF sobre o tema não é consensual e são percebidas ao menos duas grandes correntes às quais se afiliaram os ministros: Teoria Concretista e Teoria Não-Concretista (além de suas subdivisões). As duas grandes correntes diferenciam-se radicalmente, tanto no que se refere ao relacionamento entre o Judiciário e os demais Poderes, quanto aos efeitos do Mandado de Injunção. Além disso, o entendimento do STF evoluiu historicamente, não apenas quanto ao posicionamento majoritária da Corte em torno de alguma das teorias, mas também quanto ao desenvolvimento de cada uma delas. A partir da análise das principais decisões do STF sobre o tema, sistematizaremos as características centrais de cada uma das correntes (e como se diferenciam), bem como suas fundamentações e evolução. A metodologia adotada é a Dogmática Jurídica (cf. Alexy e Dreier), com foco nas dimensões empírica (pela análise das decisões do STF) e analítica (estabelecendo definições e sistematizando os conceitos utilizados pelos ministros do STF). Como conclusão, apresentaremos as características centrais de cada uma das teorias adotadas pelo STF no que se refere ao tema Separação dos Poderes.PALAVRAS-CHAVE: Separação dos Poderes; Mandado de Injunção; Função Normativa. ABSTRACTThe purpose of this article is to identify how Supremo Tribunal Federal – STF (Brazilian’s Supreme Court) sees the Separation of Powers related to the nature of the Writ of Injunction, a constitutional remedy (relief) to be granted in case of Public Power’s omission in enacting a regulatory norm needed to enable the exercise of constitutional rights and freedoms and the prerogatives inherent in nationality, sovereignty and citizenship. The historical opinion of the STF on this subject is not consensual, and there is at least two major currents in which the ministers-judges have joined: Concretist Theory and Non-Concretist Theory (and its subdivisions). The two major currents differ radically, either about the relationship between the Judiciary and the other Powers, as about the effects of the Writ of Injunction. Besides, the STF’s opinion has evolved historically, not only regards the majority position of the Court around one of the theories, but also as to the development of each of them. After analysing the main STF’s decisions on the subject, we systematize the central characteristics of each of the currents (and how they differ from each other), as well as their foundations and evolution. The methodology is the Legal Dogmatic (according Alexy and Dreier), with focus on the empirical dimension (the analysis of STF’s decisions) and analytical dimension (the establishment of definitions and the systematization the concepts used by the STF’s ministers-judges). In conclusion, we present the central characteristics related to Separation of Powers of each one the theories adopted by the STF.KEYWORDS: Separation of Powers; Writ of Injunction; Normative Function.
O ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF) instrumentalizado pela súmula vinculante, pela ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e pelo silêncio The judicial activism of the brazilian federal supreme court instrumentalised by the binding summary, by the action of noncompliance with fundamental precept (ADPF) and by silence Vidal Serrano Nunes Junior * Fabiana Aparecida Menegazzo Cordeiro ** Heloisa Cremonezi***REFERÊNCIA NUNES JUNIOR, Vidal Serrano; CORDEIRO, Fabiana Aparecida Menegazzo; CREMONEZI, Heloisa. O ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF) instrumentalizado pela súmula vinculante, pela ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e pelo silêncio. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, n. 38, p. 86-100, ago. 2018. RESUMOABSTRACTO presente estudo tem por objetivo demonstrar o trabalho do Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF) como órgão praticante do Ativismo Judicial, destacando três frentes de atuação, dentre as formas em que se identificam estas práticas: a ação por meio dos instrumentos legais da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, da Súmula Vinculante e ainda, pela inércia estratégica do STF quando não entrega o resultado da análise jurisdicional dos conflitos que lhe são submetidos, no tempo considerado adequado, face à dinâmica de trabalho da Suprema Corte Brasileira. A abordagem inicia-se com considerações acerca do papel das Cortes Constitucionais de forma abrangente, seguida pelo enfoque ao Supremo Tribunal Federal, sua concepção formal e os trabalhos que vem realizando sob à luz do Neoconstitucionalismo. O trabalho se desenvolve com o detalhamento dos instrumentos utilizados pela Corte Brasileira para julgamento e posicionamento acerca das inúmeras questões que recebem para julgar, sobretudo as mais polêmicas e complexas, destacando-se a ADPF, a Súmula Vinculante e o Silêncio do órgão supremo na execução de seus trabalhos. Demonstra-se as particularidades de cada um destes instrumentos, que se caracterizam como formas essenciais para o exercício do ativismo judicial pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que sejam estas, ferramentas consideradas inadequadas ao pleno exercício do Estado Democrático de Direito e ao equilíbrio da Tripartição de Poderes, pilastras da atual Constituição Federal. The purpose of this study is to demonstrate the performance of the Brazilian Federal Supreme Court (STF) as a practicing body of Judicial Activism, highlighting three fronts of action, among the various ways in which these practices are identified: action through the legal instruments of the Actions Noncompliance of Fundamental Precept (ADPF), of Binding Precedent and the strategic inertia of the STF when it fails to deliver the result of the jurisdictional analysis of the conflicts submitted to it, at the time considered appropriate, given the dynamics of the Brazilian Supreme Court's work. The approach begins with considerations about the role of Constitutional Courts in a comprehensive way, followed by the approach to the Federal Supreme Court, its formal conception and the work it has been doing under the light of Neo-constitutionalism. The work develops with the detailing of the instruments used by the Brazilian Court for judgment and position on the numerous questions they receive to judge, especially the most controversial and complex ones, standing out the ADPF, Binding Summary and Silence of the supreme body in the execution of their work. The particularities of each of these instruments, which are characterized as essential forms for the exercise of judicial activism by the Federal Supreme Court, although these are tools deemed inadequate to the full exercise of the Democratic State of Right and to the balance of the Tripartite Powers, pilasters of the current Federal Constitution. PALAVRAS-CHAVEKEYWORDSAtivismo Judicial. Preceito Fundamental. Silêncio. Súmula Vinculante. Supremo Tribunal Federal.Binding Summary. Judicial Activism. Fundamental Precept. Silence. Brazilian Federal Supreme Court.* Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC-SP e do Programa de Estudos Pós-Graduados da Instituição Toledo de Ensino de Bauru.** Professora do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, Unidade Bauru, e do Curso Técnico em Serviços Jurídicos da Etec Rodrigues de Abreu.*** Mestranda em sistema constitucional de garantia de direitos na Instituição Toledo de Ensino de Bauru
O direito de liberdade[1] à informação jornalística foi objeto de proteção específica pela nossa Constituição, que, no parágrafo lº, do artigo 220, vedou expressamente qualquer atividade que possa constituir obstáculo ou embaraço ao fluxo informativo. Nesse sentido, o mens constitutionem é clara e incontroversa ao estipular vedação, quer ao Poder Executivo, quer ao Legislativo, para edição de atos ou desempenho de atividades que obstaculizem ou, de alguma forma, embaracem a livre informação jornalística. Na verdade, a informação jornalística foi alçada a um patamar singular de proteção por razões bastante palpáveis. É que a informação jornalística constitui veículo da opinião pública livre. Esta, de sua vez, garantia institucional da democracia e do pluralismo político, indicados, pelo artigo 1º, caput e inciso V, da Constituição Federal, como, respectivamente, essência e fundamento da República Brasileira. O direito de informação jornalística, tal qual os demais direitos fundamentais, não é absoluto. Antes, é limitável, encontrando na existência e na observância dos demais direitos constitucionais as fronteiras demarcatórias da sua extensão. Em diversas situações, o exercício de um direito fundamental pode implicar a ofensa de outro, ou outros direitos, de igual ou diferente natureza. Essas hipóteses, concretizadas amiúde na fenomenilização dos preceitos constitucionais fundamentais, albergam diferentes soluções. Muitas vezes, por exemplo, a própria Constituição se preocupa com a compatibilização dos dois ou mais institutos envolvidos. Por um lado, por exemplo, prescreve o direito fundamental à propriedade privada. De outro, institucionaliza a desapropriação. Contudo, compatibiliza a aparente assincronia, disciplinando a prévia e justa indenização. Em outras ocasiões, o constituinte outorga ao legislador ordinário a faculdade de integrar em eficácia institutos constitucionais, ou ainda faculta a edição de diploma de eficácia de suas normas. São as chamadas normas constitucionais de eficácia restrita e de eficácia contida, obedecendo-se classificação preconizada pelo Professor José Afonso da Silva.[2] Nessas situações não se colidem com os direitos, vez que o advento da legislação ordinária foi previsto e preconizado pela própria Constituição, “mas só tem cabimento na extensão requerida pelo bem-estar social. Fora daí é arbítrio,[3] conforme advertência do precitado jurista. Todas essas situações, no entanto, trazem como nota de similitude a existência de regras, dentro do sistema, de equacionamento desses supostos conflitos. De conseguinte, a questão a merecer maior detença é exatamente aquela em que os direitos colidentes permanecem ao desabrigo de anterior previsão constitucional regulamentar, é dizer, quando o conflito normativo, no qual se enlastram diferentes direitos constitucionais, não advém da abstração regulamentar da norma, mas surge no exercício convergente de dois direitos que, em certa medida, passam a se antagonizar. Tal situação bem se expressa no contraponto entre o exercício do direito à livre expressão do pensamento e o direito à honra ou à intimidade, onde certamente teremos circunstâncias de inconciliabilidade entre o exercício absoluto e ilimitado dos direitos colocados em concreta oposição. São as chamadas “colisões”[4] de direitos fundamentais, onde esses direitos, igualmente protegidos pelo texto constitucional, entram em conflito, visto que o concreto exercício de um direito fundamental implica a invasão da esfera de proteção de outro direito fundamental. Daí se poder afirmar que os direitos fundamentais não são absolutos ou ilimitados. Com pena de mestre, José Carlos Andrade Vieira[5] versa o tema: “Não o são na sua dimensão subjetiva, pois que os preceitos constitucionais não remetem para o arbítrio do titular a determinação do âmbito e do grau de satisfação do respectivo interesse”. Seguindo nessa trilha, resta analisar a problemática da determinação de um critério de compatibilização entre os direitos antagonizantes. Inexiste regra geral a ser observada em todas as situações de conflito, mesmo porque tais colisões não se situam no plano normativo, vale dizer, dentro do raio regulamentar de cada uma das normas, mas, contrariamente, surgem no concreto exercício dos direitos. Ninguém nega validade à norma protetiva da liberdade de imprensa. O mesmo se diga em relação à norma que protege a intimidade. No mundo fenomênico, porém, vezes a fio existirão circunstâncias em que o exercício da liberdade de imprensa implicará possível desrespeito à intimidade, sem que com isso se anule quaisquer das regras em análise, pressupondo-se, contudo, a compatibilização prática de ambas. Acompanhando o precitado mestre português[6], para que se equacione concretamente a questão “exige-se que o sacrifício de cada um dos valores constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda dos outros”. Tal entendimento, aliás, afina-se inteiramente à lição de Canotilho e Vital Moreira, que ensinam: “No fundo, a problemática da restrição dos direitos fundamentais supõe sempre um conflito positivo de normas constitucionais, a saber entre uma norma consagradora de certo direito fundamental e outra norma consagradora de outro direito ou de diferente interesse constitucional. A regra de solução do conflito é da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos e da sua mínima restrição compatível com a salvaguarda adequada de outro direito fundamental ou outro interesse constitucional em causa. Por conseguinte, a restrição de direitos fundamentais implica necessariamente uma relação de conciliação com outros direitos ou interesses constitucionais e exige necessariamente uma tarefa de ponderação ou de concordância prática dos direitos ou interesses em conflito. Não se pode falar em restrição de um determinado direito fundamental em abstrato, fora da sua relação com um concreto direito fundamental ou interesse fundamental diverso”.[7] Segue-se dupla conclusão, a primeira que os direitos fundamentais, não sendo absolutos, são limitáveis, a segunda que essa Iimitabilidade não está plasmada em qualquer regra constitucional de contenção, mas sim aportada no efetivo exercício de direitos colidentes, hipótese em que, no caso concreto, se promoverá a conciliação dos direitos e interesses constitucionais envolvidos a partir da premissa de máxima observância e mínima restrição dos direitos fundamentais relacionados. O raciocínio tem aplicação cabal para a definição do regime jurídico do direito de informação jornalística, o qual, dentre outros, encontra nos direitos da personalidade, em especial a intimidade e a privacidade, limites claros ao seu exercício. Tratamento jurídico singular, no entanto, parece receber o direito de crítica em relação à atividade dos mandatários políticos. Com efeito, o direito de informação jornalística deriva da reunião de dois institutos: a notícia e a crítica. Aquela pode ser singelamente definida pela veiculação de fato cujo conhecimento seja importante para que o indivíduo participe da vida em sociedade. A crítica pode ser conceituada como juízo de valor aportado sobre a notícia. Desde logo, observamos que o presente raciocínio tem aplicação específica: as relações derivadas do exercício do mandato e não a vida íntima ou privada do mandatário. No âmago das relações políticas, o direito de crítica adquire um colorido singular. Razões de duas ordens pelejam para o acerto dessa afirmação. A primeira consistente na exposição pública do mandatário, o qual, no terreno das relações políticas, se vê contingenciado a trazer ao conhecimento do público seus predicados de legislador, de administrador, de líder, enfim, de gestor da coisa pública em determinada polis. Por evidente que nessas condições, em que o indivíduo, por espontâneo ato de vontade, traz a público diversas afirmações quanto aos seus predicados e qualidades, não pode reclamar quanto a eventuais dúvidas ou questionamentos quanto aos mesmos. Essa, aliás, a advertência de Thomas Cooley: “Quando alguém se apresenta candidato a um cargo público, põe voluntariamente em evidência as suas aptidões para o cargo, e todos quantos duvidam d’ellas têm o direito de fazer sentir ao povo as suas dúvidas, e exporem-lhe livremente as razões”.[8] Com efeito, ao concretizar uma postulação política, seus predicados podem e devem ser dissecados por seus eleitores. Em síntese, a pessoa que se oferece ao julgamento de seus concidadãos, com o fito de vir a gerir o patrimônio e as coisas públicas, se coloca em uma situação de manifesta evidência e não pode reclamar o mesmo nível de privacidade de um cidadão comum, pois que é ingênuo à política a exposição ao público, que, desta feita, tem o direito a informações que sejam necessárias para a formação de um juízo quanto à vida pública do mandatário. Afinado a esse mesmo diapasão, o Tribunal Constitucional Espanhol, na sentença de 8 de junho de 1998, assim se manifestou: “...cuando las libertades se ejerciten en conexión con asuntos que son de interés general por las materias a que se refiere y por las personas que en ellos intervienen y contribuyen, en consecuencia, a la formación de la opinión pública, alcanzando entonces su máximo nivel de eficacia justificadora frente al derecho al honor, el cual se debilita proporcionalmente como limite externo de las libertades de expresión e información, en cuanto sus titulares son personas públicas o resultan implicadas en asuntos de relevancia pública, obligadas por ello a suportar un cierto riesgo de que sus derechos subjetivos de la personalidad resulten afectados por opiniones e informaciones de interés general, pues así lo requiere el pluralismo político, la tolerancia y el espíritu de apertura, sin los cuales no existe sociedad democrática”.[9] A segunda ordem de razões, todavia, é mais específica e diz respeito exclusivamente aos atos praticados no exercício do mandato. Com efeito, o mandato aqui referido, obviamente, é o mandato político ou representativo, através do qual o conjunto dos cidadãos outorga a alguns líderes o munus de reger a coisa pública, no Brasil, tanto na órbita legislativa como na executiva. Acompanhando Antonio J. Porras Nadales: “Partiremos de la definición de la representación como un proceso de relación intercomunicativa entre sociedad y Estado centrado en la transmisión de la voz de los ciudadanos sobre la esfera pública. Se trata de un proceso de carácter reductivo, en que se opera una conversión de la pluralidad de intereses y de la multiplicidad de voluntades individuales o grupales, hasta llegar a la unidad final de la voluntad del Estado”. [10] Para efeito da análise aqui empreendida, o principal aspecto do conceito retrotranscrito diz exatamente com essa faceta do mandato de relação intercomunicativa entre sociedade e Estado, pois tal aspecto, é dizer, o caráter intercomunicativo entre sociedade e Estado autoriza um regime jurídico singular do direito de crítica. Com efeito, segundo o precitado autor, a relação de representação política se decompõe em quatro fases, é dizer: 1ª) uma fase originária de debate, em que se procede à formação de uma vontade popular a ser expressa nas urnas; 2ª) uma, estritamente comunicativa, que se estabelece através do mandato, concebido como instrumento jurídico que condiciona determinados conteúdos e limites do processo de representação; 3ª) uma fase de controle de responsabilidade na qual se determina as formas de responsabilização dos mandatários perante a sociedade; e 4ª) a fase de atuação governamental. Essas fases, evidentemente, são compartimentadas, do ponto de vista estritamente teórico, visto que exsurgem imbricadas no cotidiano da relação representativa, servindo tão-só para hiperbolização de especificidades da relação de representação política. Nesse sentido, veja-se que a intercomunicação entre Estado e sociedade, embora peculiaridade da segunda fase, aparece em todas elas, pois a formação da vontade popular, o controle de responsabilidade e a ação governamental estão igualmente nucleadas num processo interativo entre Estado e sociedade, é dizer, ao menos entre a ação daquele e a crítica desta. O presente escorço, contudo, ressalta em importância os contornos apresentados pelo precitado autor no respeitante à segunda fase do processo de representação, a saber: um mandato concebido como instrumento jurídico que condiciona determinados conteúdos e limites do processo de representação. Esses conteúdos e limites, ao que se afigura, podem ser expressos ou tácitos. Do ponto de vista do mandato legislativo, alguns desses limites – expressos – são fixados pela própria Constituição, que, petrificando algumas de suas normas, as tornam intangíveis à manifestação dos mandatários populares. Limites tácitos também são colocados, dentre os quais sobressai com maior evidência a irrestringibilidade normativa do direito de crítica política. Com efeito, na medida em que a intercomunicação é característica intrínseca do mandato, à qual se soma ainda a necessidade de controle popular e de debates para formação da vontade popular, é evidente que os mandantes populares, ao outorgarem o mandato a seus representantes, inscrevem nesse mandato a cláusula tácita de inafastabilidade do direito de crítica da ação desses mandatários, sob pena de se negar a própria natureza de representação (que traz pressuposta a intercomunicação) do mandato político. Não se nega, é evidente, que a projeção generalizadora imposta pelo mandato político[11], em virtude da qual o mandatário representa o conjunto da nação e não seus eleitores singulares, enseja uma separação funcional entre Estado e sociedade, de tal modo a assegurar a esses representantes uma esfera de autonomia para proceder livremente na formação da vontade estatal. Todavia, tal aspecto sobressalente do instituto da representação política longe de negar, só reafirma a conclusão exposta. Com efeito, à míngua de instrumento de controle direto dos eleitores, a relação intercomunicativa, própria do mandato, perpassa por formas de controle ou de intercomunicação difusas, da qual tem maior e mais eficiência social exatamente o exercício da crítica política. Nesse sentido, vem a ponto, mais uma vez, a preleção de Antonio J Porras Nadales, para quem: “Si el control evaluativo de las políticas públicas supone un marco de intercomunicación entre la esfera pública y su propio ambiente o red social susceptible de interpretarse como un modelo innovador de relaciones entre sociedad y Estado, podría plantearse igualmente si en relación con la esfera estrictamente política no ha surgido también un cierto discurso social crítico (alimentado por los abundantes casos de corrupción y disfuncionalidades generadas en el ámbito del Estado de Partidos) alrededor de la propia relación representativa, en el que se expresan las pretensiones de un mayor grado de control social sobe el circuito de la representación política”. Vê-se, pois, que a crítica política, pese embora insuficiente como mecanismo de intercomunicação ou de controle da relação de mandato representativo, constitui-se no principal instrumento de intercomunicação entre mandantes e mandatários na esfera política, mesmo porque, como frisado, mínguam institutos jurídicos que possibilitem o controle direto e identificado entre eleitor e eleito. Reprisando o tema, calha, à perfeição, o escólio de André Hauriou: “Digamos por último que un electo, cuando controla el Gobierno o, con una razón más fuerte aún, cuando él mismo se convierte en gobernante, no habla ni actúa únicamente en nombre de su circunscripción, o más exactamente, de los electores que dentro de esta, circunscripción lo han elegido a él, sino que habla o actúa de toda la nación. Se ha convertido en un representante del Pueblo en conjunto, y no de una parte o una fracción de él”. [12] Assim, não obstante o mandato político não reproduza juridicamente o regime do mandato privado, até porque, como apontado, inexiste uma relação direta de identificação entre eleitor e eleito, fazendo com que este passe a falar difusamente em nome da sociedade, que, com relação a ele, pode se manifestar de forma igualmente difusa, através da crítica política. Dentro dessa esfera, portanto, pode-se, sem rebuços, afirmar que o direito de crítica se traduz num direito residual ao mandato, é dizer, quando o corpo eleitoral, no seu todo, outorga mandato aos eleitos, o faz para que falem em seu nome, tanto no exercício da função executiva, como na da legislativa, todavia essa outorga, por sua natureza ingênita, impõe a exclusão tácita dos poderes para subtrair dos eleitores o direito de criticar seus representantes eleitos no exercício desse munus público. Em termos concretos, tal quer significar que o direito de crítica aos aspectos inerentes ao mandato é ilimitável, ou seja, nenhum outro direito constitucional pode ser evocado como limite externo ao direito de crítica, que, para seu exercício pleno, apresenta como único requisito a identidade entre a crítica esgrimida e o desempenho de mandato político do criticado.
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