“…Nessa perspectiva, inúmeras comunidades negras têm se identificado através da categoria atualmente qualificada pelo poder público como "remanescente de comunidade de quilombo" no Brasil, a qual tem como marco temporal o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição de 1988, que aponta para a regularização fundiária dessas comunidades.Frequentemente invisibilizados como camponeses ou simplesmente "pobres", ao se autoatribuírem como remanescentes de quilombos esses grupos assumem também uma nova posição política, de sujeito de direitos, vinculada ao elemento da ancestralidade e das suas próprias territorialidades.Além da identificação de laços sociais em comum entre essas diversas comunidades afrobrasileiras, muito variável devido à trajetória de cada uma, há um reconhecimento coletivo de uma luta por direitos sociais, dado que geralmente esses grupos não eram atendidos por políticas básicas por parte do poder público e, mais do que isso, passavam por diversas formas de constrangimento, preconceito racial, violência e subjugação em função da hierarquia social e racial arraigada nos rincões do país, incluindo a sistemática expropriação de territórios ocupados há gerações por esses sujeitos.Se após a Constituição de 1988 os processos políticos assumiram contornos diferenciados para as comunidades afro-brasileiras, em especial localizadas no meio rural (mas não somente), fazendo um caminho inverso, afinal, onde estavam esses grupos antes da Constituição, para além do período escravista? Ao fazer essa indagação, a partir do município de São Lourenço do Sul, no sul do Rio Grande do Sul, inicialmente o que se percebe é que não é possível estabelecer um antagonismo ou uma delimitação rígida entre o passado desses grupos identitários, chamados regionalmente de morenos, e o seu presente de uma visibilidade maior, como quilombolas, e uma análise das conexões entre temporalidades se torna necessária, considerando que as identidades estão em constante processo de significação.Em termos de pesquisa historiográfica sobre o Brasil Meridional, há um acúmulo no que se refere ao período escravocrata, atravessado por uma diversidade de perspectivas e sempre passível de ser enriquecido, entretanto, parece haver um "vazio histórico" quando se fala dos afrodescendentes no Pós-Abolição, que se expande por todo país, e as perspectivas de cunho elitista ganham destaque (RIOS; MATTOS, 2004). Com essa fratura nas narrativas históricas, para os grupos afro-brasileiros, há a referência da escravidão, ora abrandada por um germe de miscigenação e democracia racial que estariam presentes nesse local, ora exposta em toda sua crueldade e, como NORUS -v4, n.5, jan -jul 2016.…”